sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Momento num café

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto longo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

Por Manuel Bandeira

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Comentário:

Dois momentos distintos: a cultura religiosa de saudação, mesmo sem saber a quem se deve tal gesto e de forma mecânica - retirar o chapéu como forma de respeito. No outro, a libertação dos valores impostos muitas vezes sem significação ou sentido para o indivíduo que o absorve sem questionamento ou entendimento.

Ao fazer gestos de "adeus" ao morto, as pessoas do café mostram-se inteiramente envolvidas com uma questão de valores religiosos que transcende o sentido da vida enquanto aquela para ser vivida. Aqui, a saudação é para a morte, que carregou o indivíduo e simplesmente esquecem de refletir o verdadeiro sentido de suas respectivas existências.

Entretanto, o esclarecimento de um indivíduo que questiona, mesmo que no seu interior, o verdadeiro sentido daquela cena, revela para si próprio algo que para muitos é assustador: o existencialismo efêmero nosso enquanto ser e a falta de finalidade da vida. Nota-se aqui a aproximação de Manuel Bandeira com a filosofia de Sartre acerca do Existencialismo.

Por último, os dois últimos versos confirmam o que fora dito sobre o existencialismo. A saudação à carne, à matéria que não é mais viva. E que agora está em liberdade eterna de uma alma extinta.

Por Rene Gonçalves Serafim Silva - "Juninho"

Um comentário:

  1. Existencialismo!! Não sei..Existir as vezes me assusta, talvez por isso eu não compreenda nem a morte nem a vida.
    bjs

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