segunda-feira, 22 de junho de 2009

O Catador

Um homem catava pregos no chão.
Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais - o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar
pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania de Ser mais do que Ter.

Por Manoel de Barros

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Comentário:

Além de postar poesias comentarei algumas delas, principalmente aquelas que não são minhas, na finalidade de criar mais dúvidas sobre o que fora escrito pelo autor. Não tenho a intenção de explicá-las, pois poesias não são passíveis de explicações ao mundo e sim ao eu interior de cada um de nós. Ou seja, ela deve ser compreendida, e algumas vezes incorporada, a partir do indivíduo.

Primeiro ponto:

Manoel de Barros apresenta uma situação cotidiana. Uma profissão. Entretanto, uma profissão diferente, incomum aos nossos olhares. Será mesmo uma profissão? O que é uma profissão? Você tem a sua? Eu tenho a minha?

Segundo ponto:

Os pregos estão sempre como devem estar após não serem mais úteis. Jogados ao chão. Será assim nas relações humanas? Será que não jogamos os nossos "pregos" quando não precisamos mais deles? E pior, será que após utilizarmos os pregos que nos foram úteis um dia esquecemos o valor de sua função?

Terceiro ponto:

A finalidade de um propósito é que cria a sensação (talvez falsa) de que você seja útil para alguma coisa. A finalidade do catador é catar pregos. E a sua? Existe finalidade para as coisas? Se existe finalidade, você não se limita? Ou então você cria várias finalidades para sua vida para que esta não se torne limitada e vazia.

Quarto ponto:

Preencher o sujeito de algo (ser um catador de pregos) o torna mais ou menos humano? Mais ou menos útil? Quem define seu preenchimento? Você mesmo ou a sociedade? As vontades são respeitadas? As chances são dadas? Isso parece mais uma Maieutica Socrática, mas é necessário.

Último ponto:

Você que está lendo agora, reconhece-se como o Catador ou o prego inútil aos olhares alheios? Porque para o Catador os pregos ainda possuem uma função. A de serem catados por ele.

Por Rene Gonçalves Serafim Silva - "Juninho"

5 comentários:

  1. Adorei sua interpretação. Esclareceu muitas coisas que eu não conseguia entender.

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  2. Qual o periodo literario e as questoes sociais desse poema?

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  3. Legal, bem diferente do que eu pensei, mas esclareceu e medeixo intrigado

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